11/06/2012

Obrigações morais do editor

Estão-se a viver tempos sombrios, o que não será grande novidade para ninguém… Tempos sombrios, não só por causa da crise económica que Portugal e a Europa estão a sofrer, mas por causa de um aspecto mais grave ainda, que é o da quebra, cada vez mais óbvia, não simplesmente da «coesão social», mas até da vontade de prosseguirmos juntos uma caminhada de muitos séculos, de não quebrarmos os laços mínimos que, a despeito de opções políticas e sociais diversas, entre nós têm apesar de tudo subsistido.

Por tudo isso, creio que aqueles que hoje se dedicam à edição livreira – independentemente e para além mesmo da necessidade de fazerem negócio e de sobreviverem – têm três obrigações morais inescapáveis. _ A primeira é a do culto de uma certa memória histórica. Memória colectiva, mas também memória pessoal dos muitos que, de algum modo, marcaram as nossas vidas ou contribuíram para fazer de nós aquilo que hoje somos, memória de sensibilidades, memória de reflexão, memória de artes e ofícios e tradições.

A segunda refere-se à necessidade de darmos curso, em muito do que formos fazendo, à busca de visões e soluções alternativas que nos permitam a todos imaginar um mundo diferente deste em que estamos a viver – e se aproxima, se não erro, do seu final. A história está-se a fazer dia após dia, diante de nós e por nosso intermédio. Mas está-se a fazer de olhos vendados. Os editores devem contribuir, tanto quanto possível, para que os caminhos se pensem, na sua pluralidade, para que saibamos todos avaliar e compreender melhor as consequências e as potencialidades de cada opção.

E finalmente obrigação estrita de moderação, obrigação de fazer de cada editora uma casa de diálogo, de pacífica coabitação entre gente que, na vida «real», pensa de forma rigorosamente oposta sobre as mesmas coisas, e de confronto sereno das suas obras e das suas concepções.

Se, entre as várias obras que formos editando, algumas obedecerem a estas três obrigações, penso que, dentro de alguns anos, quando pudermos afinal olhar para trás e contemplar um pouco do que fizemos, não nos sentiremos envergonhados.

João Carlos Alvim

1 comentário:

  1. Eu juro que não falei nunca sobre este assunto com o João Carlos Alvim e muito menos escrevi o meu texto anterior tendo conhecimento deste...

    Ficamos a dever um texto mais prático sobre como desempenhar estas funções dentro de grupos editoriais geridos meramente com expectativas financeiras. Mas descansem, é bem mais fácil do que parece.

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