2/02/2013

Democracia Editorial

Bárbara Bulhosa, editora e proprietária da Tinta da China Edições. 

Reflexão sobre responsabilidade editorial, quando a editora Bárbara Bulhosa é constituída arguida por publicar o livro Diamantes de Sangue, do jornalista angolano Rafael Marques.

É dos livros e está nos livros: a palavra escrita constitui o mais poderoso instrumento de liberdade democrática e a sua publicação em livro dá-lhe a força e a perenidade que assusta os fracos de espírito e os ditadores com provas dadas. Em entrevista recente à revista Visão, o jornalista, cronista e escritor António Mega Ferreira, que na segunda metade dos anos oitenta também exerceu como editor, refere: “Tenho um lápis, oferecido por uma amiga, que tem a seguinte inscrição: «This machine kills fascists» …”. Lapidar!

O tema do livro agora posto judicialmente em causa, o seu autor e as personagens envolvidas no enredo, não constituem a essência desta reflexão. São o que são, ou o que deixam de ser. A questão principal que, neste caso, me interessa realçar, é o significado de ser Editor, a coragem necessária para ser Editor e a constatação de que não há revolução digital que substitua o Editor como agente maior da divulgação plural do pensamento, da cultura e do exercício democrático da cidadania responsável. Se assim o quiserem entender, é o exteriorizar da satisfação de quem nunca foi editor, mas viveu, trabalhou e conviveu de próximo com grandes Editores, por poder confirmar que a função de Editor se mantém viva e se recomenda.

Sabemos, pela história deste nosso país, o que foi o controlo, a perseguição e a repressão a que os editores portugueses estiveram sujeitos durante o período do Estado Novo. Não citando nomes, porque foram muitos e não quero cometer a injustiça de não mencionar alguns deles, sabemos como foi fulcral o papel dos editores para, servindo de charneira entre autores proibidos pela censura e livreiros que se arriscaram para os fazer chegar aos seus leitores, darem corpo e forma a obras da maior relevância que, de outro modo, dificilmente teriam visto a luz do dia. Sabemos também como, mesmo depois da institucionalização da democracia em Portugal, vários editores souberam resistir a pressões, directas ou indirectas, para condicionar a publicação de um qualquer livro. Não nos esqueçamos, meramente a título de exemplo, da saga que rodeou a publicação pelo editor Nelson de Matos, em 1989 e em co-edição D. Quixote – Círculo de Leitores, dos Versículos Satânicos, de Salmon Rushdie.

Noutro tempo e de outro modo, também os editores de hoje precisam de ter coragem. Ao editar Diamantes de Sangue, na sua Tinta-da-China, Bárbara Bulhosa constitui um exemplo vivo da coragem que se mantém indissociável do exercício como Editor. Neste caso, com a particularidade de estarmos perante o estatuto, cada vez menos comum, mas também cada vez mais relevante, de uma casa editorial independente de grupos editoriais ou económicos. Vale no entanto a pena sublinhar, que também nos grupos editoriais existem Editores com a necessária coragem e aos quais é atribuída a devida independência, dentro, necessariamente, dos princípios gerais que permitem assegurar a necessária coerência global. Permito-me, no entanto, expressar as minhas dúvidas sobre o comportamento que os grandes conglomerados de raiz não editorial, como a Amazon, a Google, ou a Apple, têm em mente neste domínio.

Parabéns Bárbara Bulhosa. A solidariedade dos seus colegas Editores está certamente consigo.

Rui Beja

5 comentários:

  1. Abaixo-assinado, Nuno Seabra Lopes.

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  2. Só não percebo porque é que no final faz uma lista com três empresas que, por sinal nem são editoras, mas distribuidoras de livros editados por terceiros; e onde qualquer pessoa pode por um livro à venda directamente, fazendo o upload, sem passar por qualquer tipo de controle. No caso da Apple, que é a que eu conheço melhor, tem um programa que permite que o autor, no seu próprio computador, faça a edição do livro e depois o coloque na loja, sem ter de ser aprovado.\
    Quanto ao problema de os editores serem criminalmente responsáveis pelo que editam, desde o 25 de Abril que muito poucos processos houve - estou a lembrar-me do livro da ex-amante do Pinto da Costa e do livro do inspector da PJ sobre o caso Maddie, mas haverá mais um ou dois - em que a acusação tinha a ver com difamação de pessoas. Também houve processos por difamação sobre artigos de jornai. Não se pode dizer que haja um padrão de censuram e muito menos censura prévia. Este caso é também um processo de difamação (do bom nome dos generais angolanos). Vamos ver como decorre, mas ainda é prematuro dizer que o sistema é censório.

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  3. Livros! Livres! Solidários!

    http://encontrolivreiro.blogspot.pt/2013/02/solidariedade-com-editora-barbara.html

    Encontro-Livreiro

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  4. Caro José Couto Nogueira,

    Não tenho o prazer de o conhecer, mas tenho todo o gosto em responder às questões que coloca.

    - Considero, conforme escrevi em «A Edição em Portugal (1970-2010): Percursos e Perspectivas», página 154, que as três empresas que menciono (Amazon, Google e Apple) "estando no negócio editorial e livreiro não estão no mercado da cultura" pelo que "utilizam a produção e divulgação do livro como um meio e não como um fim"; julgo que a sua própria referência ao caso da Apple, a qualifica precisamente no plano que eu refiro (coloca o livro na loja sem ter de ser aprovado, ou, diria eu, sem assumir o trabalho insubstituível de um editor que lhe reconheça mérito, que lhe dê credibilidade e que assuma a responsabilidade pela edição).

    - Quanto a censura prévia, saberá que o livro nunca esteve sujeito a esse regime, o qual apena vigorava para a constituição de editoras (Decreto-Lei 33.015, de 30 de Agosto de 1943); no entanto, considero que se mantém de grande importância, em matéria de censura, o que escreveu José Tengarrinha na revista «Análise Social», n.º 154-155, volume XXXV, 2000: "Lembro-me de conversas que tive sobre isto [a autocensura] com Ferreira de Castro, a propósito de «A Lã e a Neve», em que me confessou que para ele o pior censor era o que sentia permanentemente sentado a seu lado, não tirando os olhos do que escrevia".

    - Quanto ao autor e protagonistas de «Diamantes de Sangue», remeto para o que digo no princípio do meu texto: "O tema do livro agora posto judicialmente em causa, o seu autor e as personagens envolvidas no enredo, não constituem a essência desta reflexão"; na verdade, apenas me interessa realçar a coragem de Bárbara Bulhosa que, sabendo tratar-se de uma obra polémica e não desconhecendo que a sua publicação poderia trazer-lhe consequências gravosas, assumiu consciente e plenamente que a obra merecia ser divulgada e exerceu cabalmente sua função de Editora.

    Cumprimentos,
    Rui Beja

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  5. O ridículo da situação passa por terem colocado a Bárbara sob termo de identidade e residência. A justiça reagiu tendo em conta o peso dos denunciantes quando, em tantos outros casos, crimes bem mais graves que os de difamação passam sem termo semelhante, o que permite aos acusados darem de frosques.

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