10/17/2013

Críticas de sábado à tarde

Fonte: procurei e não encontrei... Quem souber que me indique

No passado fim-de-semana surgiu, em vários facebooks da comunidade ligada aos livros, uma enorme controvérsia causada pelos textos publicados no suplemento Atual, do Expresso, onde, a grosso modo, se fazia a lista dos autores sub- e sobrevalorizados. No entanto, a controvérsia não surgiu tanto em torno das escolhas, mas sim em torno da legitimidade da crítica em tecer tais opiniões.

Argumentava-se a questão da autoridade, referindo-se o facto de alguns críticos serem também escritores, além de acusações de parcialidade ou de fazerem a avaliação para-literária do caráter dos autores.

Controvérsias à parte, vivemos numa fase complicada em termos de mediação. A desvalorização dos críticos, editores, professores, pais, etc., em detrimento da valorização excessiva de meios de popularidade tem levado à perda da opinião com valor, feita por quem sabe mais e melhor do que nós sobre determinado assunto (independentemente de estar correto ou concordarmos com ele). A desvalorização da crítica atual é feita à semelhança da desvalorização de toda a restante mediação, acusando-a da incapacidade de entenderem o que «os leitores» gostam, ou o mercado quer, de ter uma visão que, ao invés de ser vista como mais desenvolvida do que a nossa, é vista como elitista, e tendo objetivos diversos por detrás.

Preconceitos, boatos, acusações de falta de caráter feitos a torto e a direito, abrangendo todos os críticos que tenham a leviandade de criticar. Que os há mais desonestos, provavelmente, como em todo o lado, mas a utilização desse argumentário leva somente à destruição da autoridade de um elo importantíssimo da cadeia do livro: a mediação literária. Quanto mais complexo e indistinto for o campo de ação, quanto mais assente em gostos e opiniões, mais necessária é a opinião esclarecida de forma a fornecer uma série de indícios que nos permitam desenvolver a nossa própria visão crítica da obra.

Que a crítica quase morreu todos sabemos. Que até as faculdades temem fazê-la, também, quanto mais a imprensa, sempre ocupada em cumprir calendários de divulgação de atualidades do comércio livreiro, sujeitos a pressões laborais tremendas e sem espaço e tempo para desenvolver a arte da crítica. Mas apesar de a qualidade não ser a mesma do tempo do João Gaspar Simões, não significa que não devamos respeitar a crítica que ainda existe. Apesar de tudo, não sendo extraordinária, sempre sabe um pouco mais do que a generalidade das pessoas sobre aquele assunto.

Vivemos num tempo onde todos dão opinião e ninguém a ouve. Vivemos num tempo cacofónico onde poucos conseguem reconhecer a qualidade de uma opinião, e onde a popularidade ou a capacidade de expressão para as massas é mais importante na avaliação de uma opinião, do que o conhecimento ou a pertinência. As crianças já não respeitam os professores, por que na Internet dizem outra coisa, e já não respeitam os pais porque nos Morangos com Açúcar eles fazem de outra forma, também já não ligam às opiniões dos bibliotecários porque no Facebook disseram que fixe, fixe, era o autor X, e acusam os pais de parcialidade, de só pensarem neles; os professores de serem preguiçosos e ignorantes, de não perceberem nada de nada, etc.

Independentemente de concordar ou não com o que a crítica diz – existe uma hierarquia de credibilidade e alguma capacidade crítica nossa –, respeito-a e espero que a mesma seja isenta e honesta, mesmo quando feita por alguém que tem outras funções na vida (nomeadamente a escrita), e tento perceber se a opinião de caráter é, para mim, fundamental na apreciação da obra (são diferentes teorias da crítica; a título de exemplo, é totalmente diferente ler Kafka antes e depois das recentes biografias, que o apresentam como um homem satírico, que lia os seus textos aos amigos acompanhados de fortes gargalhadas). Que os escritores e seus seguidores fiquem chateados também é perfeitamente legítimo, mas não o é desrespeitarem a opinião válida só por ela lhes ser contrária. Se não gostam nem concordam, é humano.

Neste mercado em que o escritor virou figura pública, onde a imagem, a juventude, a novidade e a capacidade de intervir são fundamentais, a escrita passou para um plano secundário, e o que conta é a popularidade do autor; logo, a sua capacidade de convencer mais gente a ler a obra.

Contrariamente ao que se julga a popularidade não traz legitimidade que os coloque acima da crítica. E a massa de leitores sabe somente na sua própria mediana medida, assim como o mercado só sabe na medida do retorno dos produtos. Uma avaliação literária não é uma avaliação comercial nem indica ser aquela uma boa aposta de aceitação pela generalidade do público, quanto mais nossa, mas dá indicações se o que o escritor traz é novo, se tem qualidades técnicas, voz própria, se nos faz evoluir em termos humanos. E é importante a crítica dar indícios que permitam diferenciar a qualidade da popularidade. Pessoalmente só tenho de agradecer por, de entre todos aqueles textos, ter havidos alguns que me fizeram pensar.

Nuno Seabra Lopes

2 comentários:

  1. Só uma coisa: a academia (as universidades) nunca admitiram a crítica. Desde sempre. É exigido aos alunos que toda a "análise" literária esteja escorada em autoridades precisamente... académicas. Aquilo é um círculo fechado, um lobby de tolinhos acríticos.

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    1. De facto, caro Filipe Guerra, esse parece ser também um modo de se protegerem e de validarem a crítica feita somente inter pares.
      Aproveito para lhe perguntar como vê a questão da crítica literária face à tradução que, na maior parte das vezes, até a considera como insignificante aquando da avaliação da obra (esquecendo-se que a toda a sua apreciação assenta na leitura desse texto 'interpretado').

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